sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Graça que Gonzagão traz



A semana começou com Luiz Gonzaga no carro. CD de 1972, “ao vivo” no Rio de Janeiro. Já no início do disco, ouvindo-o repetir “se eu nascesse de novo”, e contar o que faria, emocionei-me de ver que na verdade ele contava sua vida, e afirmava que “se eu nascesse de novo”, faria tudo exatamente igual: filho dos mesmos pais, nascido na mesma terra que se diz ser pobre, e de gente sofredora.

Luiz Gonzaga já seria motivo suficiente para um texto. Seria até suficiência demais, dada a sua genialidade e importância. Mas não é ele que me traz aqui, a esse texto, e sim o que ele me trouxe. Melhor, aonde ele me levou.

Fui à “manhã de sol” da Associação Recreativa dos Trabalhadores em Telecomunicações do Estado do Piauí – o “Clube da Telepisa” – passeios certos dos sábados da minha infância. Vi meu pai e a Graça, minha madrasta, no meio do salão, com seus passos em pulinhos, e seus sorrisos cúmplices de alegria.

Aguaram meus olhos de saudade daquela mulher que conquistou o posto de “mãe II”, com o aval de nossa mãe. Saudade doída de tudo o que ela foi. Da alegria, da irreverência, do jeito de falar fechando os olhos, dos cabelos muito pretos e lisos com seu corte “Chanel”. Saudade das estratégias que bolávamos pra convencer meu pai dos passeios que queríamos; das visitas ao trabalho dela, quando eu voltava do colégio; de ouvi-la me apresentar como sua filha.

Mas chorar, eu chorei mesmo foi a saudade do que não foi; do que poderia ter sido; do que seria hoje, se ela estivesse aqui. Certamente eu ouviria a Graça pedir neto cada vez que me encontrasse. Riria do jeito dela de falar com o Alexandre, que ela não conheceu, mas pressinto que tipo de relação teriam.

Chorei os “eu te amo” que eu não disse. Lamentei ela não ter sabido o quanto foi, e é, importante pra mim.

E choro enquanto escrevo, pedindo a Deus que hoje ela saiba. E que também saiba que agradeço por ter dividido conosco o amor de mãe; e por ter se importado; e por ter me dito coisas que eu precisava ouvir, e ter calado outras que eu não entenderia, e que agora sei; e por ter deixado conosco um pedaço seu - um irmão - que é quase um inteiro, de tão parecido que é, em personalidade e fisionomia, e que a cada ano que passa, para nossa felicidade, estampa a mãe mais e mais.

Luiz Gonzaga que me perdoe o papel secundário que teve. Mas a Graça era assim: quando chegava, ocupava todos os espaços. E ao contrário da tristeza que transpareço, pela saudade que mesmo depois de oito anos não sabe ter outra forma, é de alegria que me abasteço, quando nela eu penso.

P.S.s.:

Obrigada, pai, por ter sabido escolher nossas mães.

Obrigada, Rômulo, por ter dividido sua mãe com a gente.




quinta-feira, 20 de novembro de 2008

tatuagem

Conheci meu marido há quase dez anos. Foi uma arrebatadora e confusa paixão; dessas que destroem telhados, e espalham centelhas.
De início ele me deu dois maravilhosos presentes. Primeiro um bonsai com o tronco retorcido em forma de “s”, muito bem acompanhado de seis CDs do Caetano laçados em fita furta cor. O segundo, a tatuagem que ele fez no braço – uma bateria com um bonsai, com seu tronco em “s”, estampado no bumbo. O bonsai na tatuagem era uma maneira de estar comigo, ele dizia.
Não ficamos juntos por muito tempo. E apesar disso, a tatuagem continuava lá. E continuava minha. Viveria para sempre entre nós, na lembrança do que vivemos, seja que destino guardasse Deus para nós dois.
Passaram-se quase dois anos sem nenhum contato até que nos reencontramos. Não preciso dizer muito, já que hoje ele é meu “marido”.
Por muitos anos pensei no que eu poderia rabiscar “no meu muro”, que fosse suficientemente importante – tão importante como minha pele, única – para tatuar. Semana passada, sem que “procurasse”, encontrei um verso do Cântico dos Cânticos, da bíblia, que diz: “o meu amado é meu; e eu sou dele”. Nunca havia decidido nada tão rapidamente em toda a minha vida. No dia seguinte eu estava na sala de espera da Moral para estampar em mim, em hebraico, o meu amor.
A única dúvida que tive, ou melhor, ressalva, é que não acredito no amor que se apodera do outro como propriedade, e era este o conceito que a tradução denotava.
Eliminei a restrição já de saída, já que mim o verso não traz esse sentido, traz a idéia de reciprocidade, de troca, de companheirismo: ele é meu e eu sou dele. Não é o pronome possessivo “meu” que me dá o significado, é a conjunção “e”. Meu amor é correspondido, o amor dele também o é.
Some-se a isso ser escrito em hebraico, de onde vem o meu nome [Samara, enviada por Deus]. E foi Ele mesmo quem deu o arremate. Em todo o sentido dessa tatuagem há o agradecimento a Deus, e a certeza de que o nosso amor, e nosso casamento, é por Ele abençoado. Não poderia estar mais feliz com minha decisão. O tatuador, Thiago Kabeção da Moral [ué, não ouvi o barulho da caixa registradora. Rs.] foi maravilhoso: paciente, delicado, seguro e atencioso. Aproveitei e coloquei “hoje” no pulso, também em hebraico. Mas o porquê disso é coisa pra outro post.
Ps. I. Adolescente [dessas maiores de 18, que a Moral é loja responsável e não tatua menor de idade] espantada quando eu disse que tatuagem não saía nunca mais... “ai, é? Mas a Kelly Ki [sei lá como escreve] tirou o rosto do Latino...!”. Mais espantada fiquei, de ver como tem gente com um total descompromisso com a própria pele, e completa ignorância sobre as conseqüências dos seus atos. É... pois é... fazer o quê?
Ps. II. Ainda não tirei foto, mas como Papai Noel está a caminho com meu presente de natal, assim que chegar disponibilizarei para apreciação pública a minha obra de arte. Quer dizer, do Thiago. Mas devo dizer que a tela – meu cupim, como diz a mamãe, região abaixo da nuca - é um espetáculo à parte, o que só contribuiu para o engrandecimento do artista [hahahahahaha]
Beijos, pessoas que aparecem por aqui pra retirar as teias.